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Escrevendo Belas Artes!
Conheçam a arte escrita de Julia Lopez, membro da Academia de Letras do Brasil - ALB.
Textos

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III. Matutina Tenebrarum
 
 

Como entender o ofício

Do Anjo da Morte,

Que como em um Ofício de Trevas

Apaga vela após vela,

Chama após chama

Com seu sopro gélido

Ou com os movimentos

Medonhos de sua gadanha?

Como entender as ordenanças

De seu poderoso Senhor?

 

No túnel escuro

E frio da eternidade

Olho para trás e vejo

A ofuscante luz da vida;

Olho para frente e vejo

A luz mortiça que brilha

Além da morte, tão intensa

Para os que ali chegam!

 

A lutuosa luz não me atrai,

E na infinitude do espaço-tempo

Vejo a brevidade do túnel

Que não sinto

Como tua linha do tempo,

Mas apenas como um familiar

Nó de galhos retorcidos e espinhosos

No fio que forma

O grande rosário dos teus dias,

Com todos os seus mistérios,

Como uma conta primaveril

De rubras pétalas moídas,

Secas e perfumadas

– rosário no qual rezavas

o terço doloroso!

 

Ouço o Réquiem

Do coro de Anjos da Morte

Ressoar desde o matroneum

Onde aguardam a saída da luz,

Obscurecida pelo altar

Do santo sacrifício

Na catedral dos ritos marianos

Que sangraram teu coração aflito, Maria!

 

Volto a olhar para trás e vejo

As sombras do teu passado,

As sombras da tua Árvore da Vida,

Formadas pela luz que do mais alto

Te ilumina desde sua ascensão sofrida,

Forçando-te a amadurecer

Em um Verão intenso

Enquanto dentro de ti

Nada mais restava

Que um desolador Inverno!

 

Em tua Primavera vejo

Dessa luz o descenso

E seu triste decesso,

Tudo tão rápido, tão intenso:

Toda a Paixão em apenas uma Estação,

Contrariando o curso normal do Sol

De Inverno a Inverno!

 

Ao trazer

O luciano rebento ao mundo,

Fizeste desabrochar a Primavera

De forma esplendorosa!

 

Depois do longo inverno sazonal,

Sonhavas sentir novamente

O perfume de lírios e jasmins,

Mas o pesadelo não respeitou

O teu merecido descanso,

Posto que és roseira

E levas amor e sacrifício na seiva!

 

Pronto sentiste a presença

Do Anjo da Morte no campo florido

Dos teus ditosos dias!

 

Sentiste seu intenso

Perfume de rosas,

Um perfume lúgubre

Que evocava tristeza!

 

Viste o Ceifador caminhar

Delicadamente entre as flores.

A mortalha branca que lhe servia de manto

E cobria sua túnica negra,

Arrastava a vida

E deixava um rastro invernal

Murcho e taciturno.

 

Ele não estava com a gadanha;

Ele não fazia colheitas:

Austero, colheu apenas uma flor

E caminhou em tua direção!

Olhou para o berço

Onde embalavas a luz e olhou

Profundamente em teus olhos

Enquanto segurava tua mão.

Sentiste a alma acariciada

E reconfortada em um átimo

Além do tempo e do espaço

– na eternidade, que à Morte

e aos seus Anjos pertence.

Quando regressaste ao presente,

Viste o lúgubre Anjo desaparecer no crepúsculo.

Em tua mão deixou a bela flor de maracujá,

E cingindo tua cabeleira uma coroa de rosas.

 

Intentava seduzir-te

Com a beleza e o perfume?

Convidava-te para com ele

Partires de mãos dadas?

 

Preferias que assim fosse,

Mas ao contemplar a beleza da flor,

Viu na forma a coroa de espinhos

E na cor roxa o sangue de Cristo derramado;

Nas gavinhas viu os açoites,

Nos estigmas os três cravos

E nas anteras as cinco chagas!

 

Não era uma flor romântica:

Era a Flor da Paixão,

Mas da Paixão de Cristo,

E logo temeste por teu filho!

 

A coroa de flores

Era a Coroa da Morte

Com a qual, ao fim,

Todos somos coroados

– sabias que apenas

a guardavas para alguém,

pois com ela ninguém

é em vida coroado!

 

De um modo delicado

– até a Morte te respeita –

Te avisava que de forma prematura

Passarias pelas duras e maristas

Provações do espinho!

 

Olhaste para o iluminado berço

E sentiste o coração cravejado

De gemas e de cravos

Começarem a desprender

Águas-marinhas

Em lágrima lapidadas!

 

Com força abraçaste

Ao pai da luz em teu leito,

E sobre seu ombro olhaste

Para o berço na escuridão silente

Da noite solitária e aterradora!

 

Arrebatada pela rutilância solar

Dos olhos cerúleos do luciano filho,

Imersa em tanta luz e amor

Que te deixavam

Em constante estado de graça,

Para ti se passaram

Como um raio os dias e as noites

Sem que pensasses em tempestades,

E enquanto contemplavas alegre

As flores desabrocharem lá fora,

Pelas janelas e portas entrava

O sopro gélido da Morte

Lembrando o Inverno recente,

Porém, mais cruel e rigoroso!

 

Extemporâneo,

Murchou o rebento

Antes que pudesse

Desabrochar Primavera e colher Verão,

Antes que pudesse ver o Outono

– preparava o Anjo Ceifador

prematuramente sua colheita de Inverno,

seu aterrador rito frio e tétrico!

 

Como Oficiante deu início

Ao Ofício de Trevas,

Trazendo Inverno à tua Primavera!

 

Durante o ritual

Ouviste uma voz vinda do leito:

– “Esta é a vossa hora

E do poder das trevas!”

 

Olhaste para ele

E viste teu filho estender

Os braços pequeninos

Para o Anjo lutuoso,

Pronto para adormecer

Em seus álgidos braços

– com o pai ao seu lado,

entregava o inocente

seu Espírito ao Pai em sacrifício,

como o fez Cristo a Deus

após ser por Ele abandonado!

 

Quiseste ir em seu lugar

Ao ver a luz se esvair

Pouco a pouco;

Oferecerias tudo,

Tua própria alma se preciso,

E teus lamentos e preces

Se mesclavam às últimas

Lamentações e preces

Do Ofício de Trevas!

 

Com estrépito encerrou

O Anjo da Morte a liturgia

Imerso em trevas

Ao fechar o Livro da Vida,

E com o susto despertaste

Na noite escura

E tempestuosa da alcova!

 

Ao ver o berço vazio

E cada clarão lembrar o filho,

Sentias a alma vazia,

O seio tempestuoso

E a face chuvosa,

Então o mesmo Espírito

Que trouxe a luz ao teu ventre

Disse em teu coração

Que a chama não se extingue,

Que a luz não se apaga,

Que não deixa de existir,

Apenas assume outras formas,

Habita outros corações,

Ilumina outras trevas

E as trevas de outros mundos

– a luz se apagou aqui

para regressar à sua origem,

brilhando alto no Céu: Fiat Lux!

 

Regozija-te, Maria:

A vela cândida e imaculada

Do Ofício de Trevas

Sempre permanece acesa,

Apenas atrás do altar é ocultada,

Aguardando o tempo certo

Para reaparecer

– certamente ao teu lado,

na ressurreição do derradeiro Juízo! 

 

 

Nota sobre a foto"Madonna Dolorosa: Terço de Lágrimas pela Paixão do Filho", da série de 4 telas pintada especialmente para esse Poema pela talentosa Artista Plástica Cleonice C. Quinsler, intitulada "Perspectiva Mariana Sobre a Incorruptível Luz Eterna". Deixo aqui minha profunda gratidão pelo tempo que minha prima carinhosamente dedicou à pintura dessas telas, unindo sua arte à minha em uma emocionada homenagem familiar!

Nota sobre o áudio: trecho inicial do Ofício de Trevas 28. Matinas de Sábado Santo - Responsorium V: O Vos Omnes, do Padre José Maria Xavier (1819-1887); "Agnus Dei", 5° parte da Missa Pro Defunctis, Op. 187, de Amaral Vieira; "Lacrimosa" (final da "Sequentia", 3° parte do Réquiem RV 626, de Wolfgang Amadeus Mozart).

 


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Esse Poema é parte integrante do Poema "IN MEMORIAM: LUX AETERNA!".

 

Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 05/07/2014
Alterado em 16/11/2023
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